DROGAS
Você sabe o que está fazendo?
Antes de acender um baseado, tomar a próxima dose ou embarcar em uma viagem qualquer, entenda os efeitos e conseqüências das drogas mais consumidas no planeta
Fernanda Colavitti
Seria hipocrisia falar sobre drogas sem mencionar as sensações boas que elas proporcionam. Se não for o prazer, qual a explicação para o fato de cerca de 200 milhões de pessoas no mundo (cerca de 5% da população global com idade entre 15 e 64 anos) terem consumido pelo menos uma substância ilícita em 2004, segundo o relatório anual sobre drogas da Organização das Nações Unidas (World Drug Report 2005)? Existem motivos de sobra para querer experimentá-las (e às vezes continuar usando), seja pelo desafio à proibição, por curiosidade de experimentar um estado alterado de consciência, pela possibilidade de esquecer dos problemas em meio a uma viagem psicodélica, pela sensação de relaxamento causada por um baseado, pela energia para encarar longas e exaustivas jornadas de trabalho proporcionada pela cocaína, pelo aguçamento de sentidos causado pelo ecstasy etc. Mas é claro que seria uma loucura não mencionar que esses prazeres quase sempre têm um custo muito elevado, muitas vezes, a própria vida. Todos os anos, 0,4% da população mundial (200 mil pessoas) pagam esse preço, segundo a Organização Mundial da Saúde. Por isso, antes de decidir se vale a pena, leia as próximas páginas e saiba todos os riscos incluídos na experiência. |
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DROGAS Você sabe o que está fazendo? Antes de acender um baseado, tomar a próxima dose ou embarcar em uma viagem qualquer, entenda os efeitos e conseqüências das drogas mais consumidas no planeta Fernanda Colavitti |
Seria hipocrisia falar sobre drogas sem mencionar as sensações boas que elas proporcionam. Se não for o prazer, qual a explicação para o fato de cerca de 200 milhões de pessoas no mundo (cerca de 5% da população global com idade entre 15 e 64 anos) terem consumido pelo menos uma substância ilícita em 2004, segundo o relatório anual sobre drogas da Organização das Nações Unidas (World Drug Report 2005)? Existem motivos de sobra para querer experimentá-las (e às vezes continuar usando), seja pelo desafio à proibição, por curiosidade de experimentar um estado alterado de consciência, pela possibilidade de esquecer dos problemas em meio a uma viagem psicodélica, pela sensação de relaxamento causada por um baseado, pela energia para encarar longas e exaustivas jornadas de trabalho proporcionada pela cocaína, pelo aguçamento de sentidos causado pelo ecstasy etc. Mas é claro que seria uma loucura não mencionar que esses prazeres quase sempre têm um custo muito elevado, muitas vezes, a própria vida. Todos os anos, 0,4% da população mundial (200 mil pessoas) pagam esse preço, segundo a Organização Mundial da Saúde. Por isso, antes de decidir se vale a pena, leia as próximas páginas e saiba todos os riscos incluídos na experiência. |
As drogas através dos séculos Fernanda Colavitti |
Gênesis
O livro da Bíblia relata um episódio de bebedeira de Noé
10.000 a.C.
Existem evidências de que no início da agricultura já se cultivavam plantas como tabaco, café e maconha
7.000 a.C.
Folhas de um tipo de pimenta mascada por seus efeitos estimulantes são encontradas em sítios arqueológicos na Ásia
6.000 a.C.
Nativos da América do Sul iniciam o cultivo e uso de tabaco
5.400 - 5.000 a.C.
Um jarro de barro descoberto no norte do Irã, com resíduos de vinho, é considerada a mais antiga evidência da produção de bebida alcoólica
4.000 a.C.
Fibras de cânhamo encontradas na China datam dessa época. Foi nesse período também que o vinho e a cerveja começaram a ser produzidos no Egito
3.500 a.C.
Os sumérios são considerados o primeiro povo a usar ópio
3.000 a.C.
A folha de coca é mastigada na América do Sul e é tida como um presente dos deuses
3.000 a.C.
Evidências do consumo de cânabis na Europa Oriental
2.100 a.C.
Inscrições em tabuletas de argila mostram que médicos sumérios receitam a cerveja para a cura de diversos males
2.000 a.C.
Resíduos de coca são encontrados nos cabelos de múmias andinas
1.000 a.C.
Nativos da América Central erguem templos para deuses cogumelos
800 a.C.
Inicia-se a destilação de bebida alcoólica na Índia
100 a.C.
O cânhamo cai em desuso na China e passa a ser usado apenas como matéria-prima para produção de papel
1450
O uso de folhas de coca pelos incas se dissemina
1492
O navegador Cristóvão Colombo descobre o uso de tabaco pelos índios durante viagens ao Caribe
Século 16
Durante a expansão marítima para o Oriente, os portugueses passam a fumar ópio
Século 16
Américo Vespúcio faz os primeiros relatos sobre o uso da coca. Os espanhóis passam a taxar as plantações na América
1519
Espanhóis levam plantas de tabaco para a Europa
Século 17
O gim é inventado na Holanda
Século 18
O cânhamo é usado no Ocidente como planta medicinal
1792
O médico francês Pierre Ordinaire receita absinto e torna-se o primeiro a promover as virtudes da bebida
Século 19
Já se especulava que fumar causa câncer, sobretudo na boca
Século 19
Surgem os charutos e cigarros. Até então, o tabaco era fumado principalmente em cachimbos e aspirado na forma de rapé
1805
O químico alemão Friedrich Sertürner separa a morfina do ópio
Década de 1840
Soldados franceses que combatiam na Algéria bebiam absinto para prevenir-se contra a malária e outras doenças. Foi o que desencadeou a popularização da bebida na França
1845
O pesquisador francês Moreau de Tours publica o primeiro estudo descrevendo os efeitos das drogas alucinógenas sob a percepção humana
1850-55
A coca passa a ser usada como uma forma de anestesia em operações de garganta
1852
O botânico Richard Spruce identifica o cipó Banisteriopsis caapi como a matéria-prima de onde é extraída a ayahuasca
1859
O químico alemão Albert Niemann aperfeiçoa o isolamento da cocaína das folhas de coca
1859
O pintor impressionista Manet pinta "O Bebedor de Absinto"
1868
A primeira legislação antidrogas é elaborada na Inglaterra e torna ilegal a venda de ópio e outras drogas sem licença
1874
A heroína é inventada na Inglaterra. Nesse mesmo ano, a prática de fumar ópio é proibida em São Francisco, nos EUA, e é fundada a Sociedade para a Supressão do Comércio de Ópio na Inglaterra
1884
Freud usa cocaína pela primeira vez. No mesmo ano ele começa a tratar um amigo viciado em morfina com a droga e escreve seu primeiro artigo científico sobre a cocaína
1886
A receita patenteada pela Coca-Cola inclui folhas de coca
1887
A anfetamina é sintetizada na Alemanha
1896
A mescalina, princípio ativo do cacto peiote, é isolada em laboratório
1898
O laboratório farmacêutico Bayer inicia a produção comercial de heroína, usada contra a tosse
Final do século 19
Surge na Jamaica o movimento Rastafári, cujos adeptos fumam maconha como um ritual religioso que os aproxima do deus Jah
Início do século 20
Pesquisadores descobrem que a ergotamina (substância ativa do ácido lisérgico), por contrair os vasos sanguíneos, poderia ser usada para fins medicinais
1901
Picasso pinta "O Bebedor de Absinto" e "Mulher Bebendo Absinto"
1906
A cocaína é retirada da receita da Coca-Cola
1909
Fumar ópio torna-se crime nos Estados Unidos
1910
São relatados os primeiros casos de danos nasais por uso de cocaína
1912
O MDMA é sintetizado pelo laboratório farmacêutico Merck
1914
Cocaína e opiáceos são banidos nos EUA
1918
A Igreja Nativa Americana, fundada por comunidades indígenas dos EUA e Canadá para proteger o culto ao peiote, é oficialmente reconhecida como grupo religioso
1920
A cocaína é banida na Inglaterra
1920
O médico inglês Humphey Rolleston sugere a prescrição medicinal de ópio para diminuir o sofrimento de viciados, iniciando a idéia de redução de danos
1920
A "Lei Seca" é promulgada nos Estados Unidos, proibindo a fabricação, transporte, venda ou porte de qualquer bebida alcoólica. A clandestinidade fez proliferar os gângsters e a corrupção policial
1930
É fundada a religião "Santo Daime", por Raimundo Irineu Serra (Mestre Irineu). A base da religião é o consumo ritual de ayahuasca
1930
A proibição da maconha começa nos Estados Unidos e alcança praticamente todos os países do Ocidente
1938
O químico suíço Albert Hofmann sintetiza o LSD e acidentalmente descobre seus efeitos alucinógenos
1939-1945
A Segunda Guerra Mundial deu impulso ao hábito de fumar. Cigarros aliviavam a tensão de combatentes e civis
Década de 1940
Os primeiros pesquisadores que procuraram entender os efeitos do LSD sugeriram que a droga simulava, em pessoas saudáveis, os mesmos efeitos de um surto psicótico
1940
O governo japonês distribui anfetaminas para soldados e pilotos para deixá-los mais alertas durante a guerra
1947
A CIA inicia estudos com LSD como uma potencial arma pela inteligência americana. Cobaias humanas (civis e militares) são usadas sem ter conhecimento
Décadas de 1950-1960
Cientistas fazem as primeiras descobertas da relação entre fumo e câncer de pulmão
1954
O escritor inglês Aldous Huxley descreve os efeitos da mescalina no livro "As Portas da Percepção"
1956
Os Estados Unidos banem qualquer uso de heroína
Década de 1960
O LSD torna-se um dos símbolos da contracultura norte-americana
Década de 1960
Nos Estados Unidos, o uso de drogas como a cocaína, heroína, ópio e LSD se propaga entre os soldados que participaram da Guerra do Vietnã
1961
A Organização das Nações Unidas encoraja seus membros a tomar medidas contra os opiáceos e a cocaína
1962
O cientista Timothy Leary é apresentado ao LSD e torna-se o maior incentivador de seu uso indiscriminado
1962
A atriz Marilyn Monroe morre por overdose de tranqüilizantes
1965
O cantor de jazz Ray Charles é preso por porte de heroína e abandona a música por um ano
1965
O MDMA é redescoberto pelo bioquímico norte-americano Alexander Shulgin, que se dedicava ao estudo de drogas psicodélicas
1967
Mick Jagger e Keith Richards, dos Rolling Stones, são detidos por fumarem maconha
1967
O LSD é proibido nos Estados Unidos
1967
Os Beatles lançam o disco "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band", que inclui a música "Lucy in The Sky With Diamond, cujas iniciais formam a sigla LSD
1967
A música "Heroin", de Lou Reed, é gravada pela banda Velvet Underground em 1967
Década de 1970
O uso da cocaína torna-se popular
Década de 1970
Psicólogos passam a usar o MDMA em seus pacientes
Década de 1970
As anfetaminas tornam-se as drogas mais consumidas pelos jovens adeptos do movimento punk
1970
Morre por overdose de heroína a cantora Janis Joplin
1971
Morre Jim Morrison, integrante do "The Doors", por overdose de heroína
1975
A Holanda libera a venda de maconha em estabelecimentos específicos, os coffee-shops
1978
O MDMA começa a ser usado amplamente como droga recreacional, e passa a ser conhecido como ecstasy
Década de 1980
Surge o crack, tipo de cocaína em pedra com alto poder de dependência, acessível às camadas mais pobres da população
1980
A Holanda dá início ao primeiro programa de distribuição de seringas e agulhas a viciados em heroína, para diminuir a incidência de hepatite no país
1980
Paul McCartney fica 10 dias preso no Japão por porte de maconha
1985
O ecstasy é proibido nos Estados Unidos e inserido na categoria dos psicotrópicos mais perigosos
1987
O ecstasy se torna parte integrante da cultura rave britânica após ser popularizado por clubbers em festas promovidas em Ibiza, na Espanha
1988
A cultura rave se alastra pela Europa
1989
O Brasil copia o programa de distribuição de agulhas da Holanda
1992
O então presidente norte-americano Bill Clinton admite ter fumado maconha em juventude, mas disse que nunca tragou
Século 21
Aumenta o que os especialistas chamam de "mania ocidental por pílulas", que é o consumo exagerado de medicamentos
2001
Os Estados Unidos financiam o combate ao tráfico e à produção de cocaína na Colômbia
2001
Portugal descriminaliza o consumo de qualquer droga
2001
O Canadá é o primeiro país a regulamentar o uso medicinal da maconha
2003
O governo do Canadá anuncia que vai vender maconha para doentes terminais. Pela primeira vez um país admite o plantio e comercialização da maconha
2005
O jornal britânico "Daily Mirror" publica imagens da modelo Kate Moss consumindo cocaína
A vida imita a arte (e vice-versa) Estudo mostra que doenças e drogas podem ter influenciado a criatividade de grandes artistas, como Michelangelo e Van Gogh Fernanda Colavitti Fotos: reprodução / divulgação / Dreamstime |
A genialidade de grandes artistas sempre foi motivo de diversos mitos, especulações e teorias, especialmente no que diz respeito à relação entre sua criatividade e produtividade, doenças (sobretudo as psiquiátricas) e uso de substâncias químicas, como álcool e drogas. Com a ajuda dos modernos laboratórios de análises químicas e de hematologia, o pesquisador Paul L. Wolf, da Universidade da Califórnia, investigou as bases da criatividade e produtividade de alguns artistas famosos, como Michelangelo, Van Gogh e Edvard Munch. Wolf fez um levantamento da vida dessas personalidades, incluindo suas doenças e trabalhos, e também utilizou modernos testes químicos, toxicológicos e hematológicos que poderiam ter sido úteis no diagnóstico e tratamento dessas doenças, se existissem na época. O resultado dessa investigação mostrou que a associação entre doença e arte pode ser estabelecida em diversos casos, a maioria devido a limitações físicas dos artistas e suas adaptações mentais a essas condições. O trabalho sugere que a inspiração de muitos pintores, compositores e escultores pode ter sido moldada devido a doenças e abuso de substâncias químicas, como mostram os exemplos das próximas páginas.
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Berlioz |
O personagem principal da "Sinfonia Fantástica" - primeiro poema sinfônico, considerado um marco do início da era romântica da música - do compositor francês Hector Berlioz (1803-1869) é um herói que supostamente sobrevive a uma grande dose de narcótico. De acordo com Wolf, essa seria uma autobiografia disfarçada e elegante do próprio compositor. Outra versão é a de que a obra descreve o sonho de um amante rejeitado (fuma ópio e mata a amada). Segundo as pesquisas de Wolf, Berlioz ingeria ópio para aliviar suas dores de dente, e embora não haja indicações de que ele tenha se intoxicado, sabe-se que ele era viciado na droga. O ópio contém alcalóides como morfina, codeína e papaveína e, terapeuticamente, é usado para aliviar dores e produzir sonolência (tem efeito tranqüilizante). Além do álcool, o ópio foi a droga mais utilizada por artistas do século 19, com o objetivo de estimular a criatividade e aliviar o estresse. |
Louis Hector Berlioz (1803-1869), compositor francês |
Munch |
Em seu famoso quadro "O Grito", o pintor norueguês Edvard Munch (1863-1944) descreve seu próprio estado de espírito psicótico, segundo Wolf. Existe a suspeita de que Munch era esquizofrênico, pois sua irmã sofria da doença (psiquiatras especializados em genética molecular pesquisam as raízes genéticas da esquizofrenia). De acordo com o pesquisador Phillip Holzman, da Universidade de Harvard, a esquizofrenia é um problema mais amplo do que os fenômenos psicóticos e inclui diversos comportamentos que acometem parentes de pacientes esquizofrênicos (o que pode ser o caso de Munch). Outra explicação para a agonia expressada em "O Grito" é a explosão vulcânica na ilha de Krakatoa, na Indonésia (ocorrida em 1883, gerando um tsunami que matou cerca de 36 mil pessoas), cuja poeira e gases levantados chegaram até a Noruega. A pintura refletiria o temor de Munch diante da situação. |
Edvard Munch (1863-1944), pintor expressionista norueguês |
Munch |
Nesse caso, teria sido a arte que influenciou a doença. O pintor italiano renascentista Michelangelo Buonaroti (1475-1564) desenvolveu diversos problemas de saúde durante sua vida, incluindo gota no joelho (condição representada no quadro "Escola de Atenas", de Rafael, na foto ao lado). A gota se caracteriza pela inflamação das juntas, devido ao acúmulo de ácido úrico. Obcecado com seu trabalho (trabalhou até seis dias antes de sua morte), Michelangelo passava dias consumindo apenas pão e vinho. Nesse tempo, os contêineres de vinho continham chumbo, portanto a bebida tinha altos níveis do elemento. De acordo com a pesquisa, o chumbo prejudica os rins, fazendo com que a concentração de ácido úrico aumente, manifestando-se exteriormente como gota. Michelangelo também sofria de depressão e era maníaco depressivo. Algumas de suas mais de 400 pinturas refletem sua situação. O artista retratou inúmeras doenças físicas e mentais em seus trabalhos - entre eles podem ser detectados traços de melancolia e depressão na pintura de Jeremias (profeta bíblico) no teto da capela Sistina, segundo Wolf. |
Michelangelo Buonaroti (1474-1564), pintor renascentista |
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