Tuesday, January 31, 2006

A ATIVIDADE AERÓBICA*


A ATIVIDADE AERÓBICA*
é o melhor anti-depressivo

Artigo de autoria de Nuno Cobra
Revista "Viva", Ano 1, no 7

Um dos maiores e mais desanimadores dogmas da neurobiologia no século 20 acaba de cair por terra. No maior achado da neurociência nos últimos tempos, descobriu-se que o cérebro adulto continua a fabricar neurônios de forma contínua por toda nossa vida.

A descoberta da neurogênese adulta (fabricação de novas células nervosas ou neurônios) abre novas possibilidades de cura para doenças, tais como derrame ou mal de Parkinson, nos quais parte do funcionamento cerebral é claramente prejudicado.

A nova pesquisa mostra, também, que a neurogênese tem um papel importante em outras doenças psíquicas, especialmente a depressão.

A depressão clinica é uma doença completamente debilitadora causando por vezes total incapacitação do paciente, podendo levar ao suicídio.

Dois renomados neurocientistas americanos Fred Gage do Salk Institute e Barry Jacobs da universidade de Prynceton,descobriram que a depressão clínica pode surgir de uma falha no cérebro em relação a produção de novos neurônios.

Os experimentos mostram que a neurogênese acontece principalmente em uma parte do cérebro chamada "Hipocampo", responsável por reger a aprendizagem, a memória e as emoções.Os estudos mostraram que os pacientes que estão em depressão a longo tempo, têm um hipocampo consistentemente menor do que os pacientes não depressivos.

Isto ocorre porque os novos neurônios não estão sendo produzidos tão rapidamente quanto necessário para substituir os que estão morrendo.O stress, combinado com fatores genéticos, é o maior responsável pela supressão da neurogênese no hipocampo.

O laboratório de Gage, porém, chegou ao acaso a uma descoberta surpreendente.

Gage descobriu que a neurogênese se duplica quando os ratos têm em sua gaiola uma simples roda onde podem praticar atividades aeróbicas de longa duração, como caminhadas e corridas.

O mais surpreendente é que o aumento da neurogênese provocado pelo exercício é muito maior em relação ao aumento causado pela última geração de medicamentos anti-depressivos.

As descobertas foram tão convincentes que praticamente quase toda equipe que trabalha no projeto começou a praticar uma atividade aeróbica.

A explicação para o fenômeno é que a atividade física aumenta o ritmo cardíaco, aumentando a circulação sanguínea no cérebro, o qual recebe maior quantidade de fatores estimulantes ao aumento da neurogênese.

Outra possibilidade é devido ao fato de a atividade aeróbica proporcionar um ritmo cerebral chamado "Thetha" que, por sua vez, aumenta a produção de seretonina e o desenvolvimento dos neurônios.

É interessante para mim, perceber cientificamente, o que já percebia intuitivamente através de experiências com alunos que sofriam de depressão, e que se curaram através da atividade física, inclusive eliminando, com o tempo, medicamentos dos quais eram dependentes.

É bom lembrar, no entanto, que uma atividade eficiente e saudável, deve ser praticada sempre em equilíbrio de oxigênio, ou seja, sem sofrimento e razoável conforto respiratório.

Antidepressivo ajuda na regeneração cerebral


Antidepressivo ajuda na regeneração cerebral


Antidepressivos podem estimular o crescimento de novas células cerebrais, mostrou um estudo divulgado hoje, nos Estados Unidos, que pode abrir caminho para o surgimento de novas drogas contra a depressão. Pesquisa feita em ratos mostrou que dois tipos de antidepressivos podem ajudar as células cerebrais a se regenerar - e justamente em áreas que normalmente não eram associadas à depressão. "Essa é uma nova e importante visão sobre como funcionam os antidepressivos", disse Thomas Insel, diretor do Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA, em um comunicado.

O resultado é coerente com outros estudos que indicam que a depressão pode encolher o hipocampo, uma região do cérebro essencial para a memória e o aprendizado, mas que só recentemente teve descoberto seu papel na depressão. Estresses e traumas - fatores que desencadeiam esse quadro - também provocam tal encolhimento.

"Ficamos sabendo que os antidepressivos influenciam o nascimento de neurônios no hipocampo. Agora parece que esse efeito pode ser importante para o tratamento clínico", afirmou Insel. Segundo Rene Hen, da Universidade Columbia, que comandou o estudo, novos antidepressivos podem ser desenvolvidos de modo a combater diretamente esse processo.

"A prova em humanos virá quando ampliarmos o estudo para descobrir drogas que estimulem a neurogênese. Se essas drogas tiverem efeitos antidepressivos em humanos, será a prova de que o processo é crítico neles", afirmou Hen em entrevista por telefone. "Já há um movimento na indústria farmacêutica para descobrir tais compostos".

O novo estudo também pode ajudar a explicar porque os antidepressivos podem levar várias semanas para apresentar efeitos. "Se os antidepressivos funcionam estimulando a produção de novos neurônios, há uma demora", disse Hen, explicando que as células-tronco que dão origem às novas células precisam de tempo para se dividir sucessivamente e se diferenciar até criar novos neurônios, que então são levados para seu lugar correto e se associam às demais células cerebrais.

Para garantir que as novas células cerebrais são o que garante o fim da depressão, Hen e seus colegas da Universidade Yale e da França trabalharam com ratos geneticamente modificados, usando raios-X para matar as novas células que se desenvolviam no hipocampo.

Esses ratos não reagiram normalmente aos antidepressivos. Por exemplo, os animais que tomaram fluoxetina (Prozac) e tiveram as células destruídas não voltaram a demonstrar sinais de vaidade, como era esperado. Já os ratos que não foram submetidos a raios-X tiveram um crescimento significativo de novas células depois de um tratamento de 11 a 28 dias com a fluoxetina.

Outro tipo de antidepressivo, a imipramina tricíclica, também estimulou o crescimento de neurônios, disse a equipe de Hen na edição de sexta-feira da revista Science. "Além de encontrar drogas que tenham esse processo como alvo, o outro desafio básico da pesquisa para mim é descobrir qual é a função desses neurônios," disse Hen. Especialistas dizem que 16% dos norte-americanos - mais de 30 milhões de pessoas - vão sofrer de depressão grave em algum momento de suas vidas.

Reuters


Tuesday, January 17, 2006

O medo que tortura

REVISTA VEJA, 21/02/2001

O medo que tortura

Milhões de brasileiros enfrentam um
pesadelo cotidiano: as fobias e os
transtornos de pânico.
A boa notícia é que muitos
estão procurando ajuda

Montagem sobre fotos de Tony Stone e Antonio Milena

"Um dos efeitos do medo é perturbar os sentidos e fazer com que as coisas não pareçam o que são." A frase é do autor espanhol Miguel de Cervantes e está no clássico Dom Quixote, escrito no alvorecer do século XVII. Tomada de empréstimo de seu contexto, ela sintetiza o que ocorre com quem sofre de uma doença que, longe de ser uma novidade na literatura médica, vem aparecendo com freqüência cada vez maior em consultórios psiquiátricos e clínicas psicológicas. Trata-se do medo patológico. Ele se diferencia do medo normal por não ter causa objetiva ou base na realidade e provocar uma aflição desmedida. O distúrbio pode apresentar-se como fobia específica (pavor de animais, de escuridão, de água etc.), fobia social (da qual o horror de falar em público é o exemplo mais popular) e sob a forma de ataques de pânico – em que o paciente passa a ser acometido de uma hora para outra de sintomas físicos terríveis, sem que saiba identificar exatamente o que o ameaça. Um estudo realizado em meados da década de 90 nos Estados Unidos mostra que 25% da população americana teve, tem ou terá, em algum momento da vida, um episódio de fobia. No Brasil, como de praxe, não há números nacionais a respeito do assunto. As estatísticas estão restritas a grandes centros. Mesmo assim, os dados impressionam: o medo patológico, em suas diferentes formas e intensidades, afeta 18% dos habitantes de Brasília, 11% dos de São Paulo e 9% dos moradores de Porto Alegre

O pavor em números

O medo patológico afeta
18% dos moradores de Brasília
11% de São Paulo e
9% de Porto Alegre

O distúrbio atinge duas vezes mais mulheres que homens

Fontes: Ambulatório de Ansiedade do Hospital das Clínicas,
de São Paulo, e Universidade Federal de São Paulo

Existem três razões para o aumento do registro de casos nos últimos anos. Antes de mais nada, fobias e transtornos de pânico estão relacionados em boa parte das vezes a quadros de ansiedade, angústia e depressão, verdadeiros flagelos da modernidade. Em segundo lugar, o medo patológico começa a deixar de ser visto pelos leigos como algo tão incancelável quanto uma característica de personalidade. Com a divulgação de tratamentos de choque e o surgimento de medicamentos, um grande contingente de doentes agora se vê estimulado a procurar ajuda. Acrescente-se a esses motivos o fato de que, não importa o universo pesquisado, tais distúrbios afetam duas vezes mais mulheres que homens. Com a maior inserção feminina no mercado de trabalho, é natural que elas sintam a necessidade de colocar um fim a tormentos que, não raro, prejudicam bastante sua carreira profissional. Uma dona-de-casa, por exemplo, pode ter medo incontrolável de avião. Uma executiva, não.

Em suas manifestações mais agudas, as fobias e o pânico são altamente limitantes e quase sempre expõem a vexames de toda ordem. O medo de elevador pode fazer com que uma pessoa simplesmente se recuse a trabalhar ou morar em andar alto – o que, convenhamos, representa enorme problema, dado o irreversível processo de verticalização urbana. O deputado José Genoíno, do PT de São Paulo, sofre dessa fobia. "Meu medo de elevador é tanto que, quando realmente é necessário, peço a alguém que suba e desça comigo", conta Genoíno (veja depoimentos). Entre os que têm pavor de voar, figura o ator carioca Pedro Cardoso. Ele não pisa em avião de jeito nenhum. Na única vez em que foi à Europa, precisou tomar uns drinques a mais para segurar o medo e protagonizou um espetáculo nada engraçado para quem estava a seu lado. Há quem sue frio só de pensar em se sentar à direção de um carro. Imagine o que isso significa em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, onde o transporte coletivo é uma ficção de horror e o automóvel é quase uma extensão corporal do cidadão de classe média. A fobia social grave, por seu turno, transforma o cotidiano em um pesadelo. Quem sofre do distúrbio é incapaz de conversar com o chefe, trocar opiniões com os colegas de trabalho ou expor suas idéias numa reunião. Muitos fóbicos sociais também não conseguem comer em público.

Valdemir Cunha

O sucesso dos parques de diversão: medo como entretenimento


O pânico costuma ser ainda mais incapacitante. A atriz Lídia Brondi, um dos principais nomes da televisão brasileira na década de 80, interrompeu sua carreira nas novelas da Rede Globo por causa do problema. Transformou-se em dona-de-casa e não gosta de falar sobre o assunto, com toda a razão. Outra que quase bateu em retirada do vídeo foi Adriana Esteves, que estrela a novela das 6, O Cravo e a Rosa. Um ataque de pânico é uma das experiências mais devastadoras que um ser humano pode enfrentar. Ele ocorre sem aviso prévio, em situações das mais comezinhas – no trabalho, numa festa, no carro. A pessoa começa a tremer, é tomada pela tontura, a pressão arterial dispara, o coração bate descompassado. Os sintomas são parecidos com os de um infarto, e, nesse instante, a morte iminente adquire os contornos de certeza. Depois da primeira crise, o calvário tem o seguinte script: faz-se uma batelada de exames clínicos, o médico verifica que não há nada de errado e ainda assim as crises continuam. Um dos piores aspectos do pânico é o que os médicos chamam de "medo de ter medo". Apavorada com a idéia de voltar a sentir os sintomas, a pessoa passa a fugir dos ambientes em que os ataques ocorreram, como se tal atitude pudesse evitá-los. É por essa razão que tantas vítimas acabam se trancafiando em casa.

Entre as crises de pânico propriamente ditas, outros sintomas aparecem. Em determinados momentos, pensamentos confusos se atropelam numa velocidade tamanha que muitos acham que estão ficando loucos. Também são comuns os relatos de quem não consegue engolir. "Houve uma época em que eu tinha medo de engasgar com um simples grão de feijão. Só comia papinhas de frutas, sopas e purês. No banho, tinha a sensação de que iria me afogar com a água do chuveiro", descreve a atriz Esther Lacava, 35 anos, de São Paulo. De tão recorrente, a síndrome do pânico, nome popular desse tipo de transtorno, tornou-se tema de livros e filmes. Na fita Copycat, a atriz Sigourney Weaver interpreta uma psiquiatra forense que não consegue sair de casa. Na série de televisão Família Soprano, que vai ao ar pelo canal a cabo HBO, o chefe do clã mafioso é acometido de ataques de pânico e vai parar no consultório de uma psicanalista. O tema está previsto para ser tratado até no seriado Malhação, da Rede Globo, produzido para o público jovem.

Qual seria a origem desses tipos de desordem mental que atingem milhões de pessoas mundo afora? Há cerca de um século começaram as primeiras investigações a respeito do assunto. Elas logo se bifurcaram. Nos Estados Unidos, onde predomina a visão cientificista, os estudiosos sempre tentaram delimitar com exatidão as áreas do cérebro responsáveis pelo medo. A idéia que os move é encontrar uma droga que atue sobre elas e elimine distúrbios fóbicos e afins. Paralelamente, os americanos desenvolveram tratamentos derivados da psicologia comportamental, que vêm encontrando grande ressonância entre os médicos brasileiros (veja quadro). Na Europa, onde as correntes psicanalíticas têm mais força, a abordagem do problema privilegia a história pessoal de cada paciente. Desse ponto de vista, o medo patológico é apenas a expressão de uma angústia mais profunda. Não pode ser considerado uma doença em si.

Os dois lados contabilizam conquistas e tropeços. Hoje se sabe que as amígdalas, estruturas cerebrais localizadas na região das têmporas, têm a função de identificar situações de perigo e enviar ao hipotálamo, local de controle do metabolismo, o sinal para que certas reações sejam deflagradas (veja quadro). As amígdalas reconhecem uma ameaça porque são alimentadas pelo sistema límbico, a parte mais primitiva do cérebro, que constitui uma espécie de banco de memória do medo. É no sistema límbico que estão armazenadas as informações que remetem a temores ancestrais, como os de animais ferozes, fogo ou escuridão. Além disso, o sistema límbico registra dados que se referem a experiências em que o medo foi adquirido por aprendizado ou por trauma. De acordo com pesquisas recentes, os fóbicos apresentariam uma hiperatividade nessa região.

Os pesquisadores agora se empenham em afinar a descoberta de que o sistema é regulado por duas substâncias neurotransmissoras, a serotonina e a noradrenalina, que se relacionam ao humor e às sensações de prazer e bem-estar. A história dos antidepressivos, usados também para combater fobias e pânico, está intimamente ligada aos avanços nessa direção. No início, as esperanças depositavam-se sobre drogas como Anafranil e Tofranil, que agem sobre a química cerebral como um todo. A constatação de que a serotonina tinha um papel preponderante no processo propiciou a criação de medicamentos que atuam especificamente sobre esse neurotransmissor. As vedetes da categoria são o Prozac e o Zoloft, que prometiam uma revolução e chegaram a ser anunciados como a conquista da felicidade suprema. No entanto, os remédios de última geração, lançados com muito menos estardalhaço, têm obtido melhores resultados ao interferir nos níveis tanto da serotonina como da noradrenalina. As estrelas do momento são o Luvox, o Serzone e o Efexor.

A pílula milagrosa, porém, ainda é uma miragem. Nenhuma das drogas existentes cura por completo fobias ou pânico. Elas servem para controlar a intensidade dos sintomas – o que, sem dúvida, faz uma enorme diferença para os que sofrem desses problemas. Já se constatou também que os remédios são mais eficazes quando associados a terapias. O campo terápico é vasto. Trata-se de entender por que há pessoas que desenvolvem medos doentios, sem nunca ter passado por experiências traumáticas diretamente relacionadas a eles. É nesse vácuo que entra a psicanálise. Os seguidores de Sigmund Freud enfatizam que o desequilíbrio na química do cérebro não é causa da doença, mas conseqüência. Assim como ocorre com os transtornos de pânico, no que se refere às fobias a psicanálise procura sentidos que variam de paciente para paciente. Ou seja, duas pessoas com pavor de avião não sofreriam desse mal necessariamente por motivos idênticos. O avião (ou o inseto, o carro, a tempestade, não importa) seria apenas a representação da uma angústia mais recôndita. Superada a angústia, perde-se o pavor. Mesmo quando há traumas no histórico de um paciente, a psicanálise não estabelece conexões mecânicas. O deputado José Genoíno, que não entra num elevador sozinho, acha possível que seu distúrbio esteja relacionado ao período em que permaneceu confinado numa prisão solitária, em 1972, durante o regime militar. Um psicanalista que o atendesse levaria em conta essa associação, é claro, mas também procuraria outras causas para o problema. Por uma razão simples: nem todo mundo que passa por tal experiência desenvolve pânico de elevador ou claustrofobia.

É a partir desse ponto de vista que o psicanalista Renato Mezan, um dos mais respeitados do Brasil, critica as terapias de choque. Ao se restringirem aos sintomas do medo patológico, sem ir fundo em suas origens, elas funcionariam apenas como paliativo. "Se nos dedicarmos somente ao tratamento dos sintomas, eles podem até desaparecer. Mas é certo que serão substituídos por outros, já que a sua causa principal, a angústia, não foi atacada", afirma Mezan. As duas correntes vivem se alfinetando. A psicanálise perdeu prestígio e credibilidade nas últimas duas décadas, fustigada principalmente pelos adeptos da escola da psicologia comportamental e pelos psiquiatras que vêem nos remédios a solução para tudo. Muito blablablá e nenhuma ciência, dizem eles. As circunvoluções psicanalíticas, aliás, têm proporcionado ótimas piadas. Uma das mais memoráveis é uma cena do filme Manhattan, do diretor americano Woody Allen, ele próprio um eterno paciente de divãs psicanalíticos. Numa festa, uma jovem diz a amigos que havia tido cinco orgasmos na noite anterior. "No entanto, estou infeliz. Meu analista disse que nenhum foi do tipo certo", acrescenta ela.

Para quem se inclina mais para um tratamento profundo, como a psicanálise, é bom saber que ela costuma ser longa e cara. Psicanalista que se preza não garante melhoras substanciais antes de dois anos de sessões. E nem sempre um fóbico ou uma vítima de pânico quer empreender uma interminável aventura de autoconhecimento para entender o motivo de seus males. Ele quer curar-se ou atenuar seus sintomas rapidamente. As terapias de choque tentam suprir esse desejo ao ir direto ao ponto. Seu método, em resumo, é "treinar" o paciente para que enfrente seus medos, até ele perceber o absurdo em que está enredado. Em relação às fobias específicas, pode-se notar um progresso expressivo após dois meses. Fobia social e pânico exigem um pouco mais de tempo: de seis meses a mais de um ano. É verdade, como aponta Mezan, que alguns pacientes podem, no processo, substituir seus pavores antigos por outros sintomas. Mas que tratamento, para qualquer dos males que afligem a humanidade, garante cura de 100% na totalidade dos casos? É assim também no universo dos medos doentios. As esperanças de conseguir alívio para eles, no entanto, hoje são bem maiores que no passado.

Fora do âmbito médico e psicológico, é interessante notar que o aumento nos casos de fobias e pânico contrasta com a miragem oferecida pela sociedade contemporânea de uma vida sem riscos, imersa numa bolha protetora. Estudiosos da área sociocultural chamam a atenção para o fato de que, nos países desenvolvidos e nos bolsões de riqueza de nações como o Brasil, as sensações físicas associadas ao medo estão cada vez mais restritas ao campo do entretenimento. É nos parques de diversão que as pessoas vivenciam, ainda que virtualmente, quedas, vertigens, o desconhecido. Tais artifícios, segundo esses estudiosos, dariam vazão a um paradoxo: muitas vezes, o homem precisa ter medo para sentir-se vivo.

A química do medo

Como o corpo reage numa situação de ameaça, seja ela real ou não

1. Cérebro: as estruturas responsáveis por iniciar a reação a estímulos amedrontadores são as amígdalas cerebrais, localizadas na região das têmporas. Elas enviam um sinal ao hipotálamo, região de controle do metabolismo, para que seja intensificada a produção de adrenalina, noradrenalina e acetilcolina. Em uma fração de segundo, a descarga dessas substâncias causa alterações no funcionamento de diversas partes do corpo

2. Olhos: a química do medo faz com que as pupilas se dilatem. Isso diminui a capacidade de a pessoa reparar nos detalhes que a cercam, mas aumenta o poder de visão geral. Em tempos ancestrais, esse recurso permitia que o homem identificasse no escuro das cavernas um predador e as possíveis rotas de fuga

3. Coração e pulmões: o aumento do nível de adrenalina eleva os batimentos cardíacos. A maior irrigação sanguínea faz com que cérebro e músculos trabalhem mais intensamente, deixando a pessoa alerta e ágil. O fato de o coração bater acelerado exige maior oxigenação ­ daí por que a respiração se torna mais curta, ofegante

4. Estômago: muitas pessoas, em situações de medo, sentem dor na região estomacal devido ao aumento na produção de acetilcolina. A liberação em maior quantidade de sucos gástricos acelera a digestão e a transformação dos alimentos em energia

Fonte: Frederico Graeff, Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto

O deputado que tem pânico de elevador

Sergio Pinheiro


"O grande pavor da minha vida são lugares fechados – especialmente elevadores. Quando não há forma de evitá-los, deixo o pudor de lado e peço para alguém subir ou descer comigo. Quanto mais alto tiver de ir, mais apavorado fico. Se forem poucos andares, não hesito: vou de escada. O medo sempre me fez morar em casa e ter o meu gabinete no 1º andar. O pavor de lugares fechados é tão grande que jamais trabalho de porta fechada. Quando isso, sem querer, acontece, sinto-me sufocado, com uma enorme sensação de impotência. Há alguns anos, vivi uma experiência traumática e vexatória. Fui ao cinema em São Paulo e, inadvertidamente, resolvi sair no meio do filme, pela porta de emergência. Desci calmamente as escadas, até que dei de cara com a saída trancada. Subi novamente e não conseguia mais abrir a porta anterior. Bateu o desespero. Eu chutava a porta e gritava. Surtei. Ao ouvir a barulheira, um espectador veio em meu socorro e abriu a porta. Descobri que posso administrar o medo tendo sempre alguém do meu lado nessas situações. Tenho quase certeza de que a minha fobia é decorrente do tempo que passei preso em uma solitária, em 1972."

José Genoíno, 54 anos,
deputado federal, do Ceará

Reza, calmante e olho no piloto

Oscar Cabral


"Tenho muito medo de avião. O pavor é tão grande que, quando preciso enfrentar uma viagem mais longa, começo a sofrer com um mês de antecedência. Fico enjoada, nervosa, suo frio, com o estômago embrulhado. Durante o vôo, então, nem se fale. É um terror. O momento de maior sofrimento é o da decolagem. Já chorei muito nessas horas. Rezo para recuperar a sobriedade. Quando era mais nova, bebia muito antes de embarcar, para relaxar. Conforme o efeito do álcool se dissipava, o medo voltava e era ainda maior por causa da ressaca. Hoje, não dispenso um calmante. Freqüentemente peço para segurar a mão de quem está na poltrona ao lado. Peço também para conhecer o piloto. Sei que é bobagem, mas me deixa mais tranqüila. Se posso dispensar o avião e viajar de carro, não penso duas vezes. É por isso que nas férias só vou a cidades próximas ao Rio de Janeiro, onde moro. Já perdi oportunidades de conhecer lugares incríveis, como Bali. Acho que tudo começou quando eu era criança."

Claudia Ohana, 36 anos,
atriz, do Rio de Janeiro

Quando as palavras não saem

Claudio Rossi


"Minha carreira ia extremamente bem até ter de começar a falar em público. Foi aí que descobri quanto essa situação me aterrorizava. Na primeira vez, há dez anos, meu chefe me convidou para fazer uma apresentação sobre um assunto do qual eu tinha domínio total. Comecei a desconfiar de que teria problemas quando entrei no auditório e vi que o lugar estava lotado. Foi segurar o microfone para o drama começar. Não conseguia mais respirar direito. As palavras não saíam da minha boca. Entrei em colapso total. Minhas pernas tremiam tanto que todos me olhavam com pena. Transtornada, olhei para o meu chefe, pedi desculpas e disse que não poderia continuar. Virei as costas e fui embora. Por causa dessa limitação, os diretores passaram a questionar minhas qualificações e me deixaram na "geladeira". Foi só quando resolvi montar meu próprio negócio que decidi superar esse medo. Foram necessários quatro anos de autotreinamento para que conseguisse falar diante de um auditório lotado. Para superar o pavor, tinha o costume de simular em casa – sozinha – uma palestra. Ainda sinto medo, mas, ao menos, consigo mostrar uma certa calma e segurança."

Wilma Bolsoni, 37 anos,
consultora de tecnologia, de São Paulo

Afogamento no chuveiro

Edison Vara


"Minhas primeiras crises de pânico começaram na década de 80. Durante oito anos, sofri sem saber o que estava acontecendo. Tinha medo de escuro, de filas, de lugares cheios, de elevadores. O sofrimento maior, no entanto, era em casa, à noite. Acordava de madrugada, com muito medo de morrer. Desesperado, abria as janelas e arrancava as roupas. Sentia falta de ar e o coração batendo acelerado. Nessas noites, não voltava a me deitar, por receio de morrer dormindo. Outras vezes, o pavor era tanto que eu ia para o hospital. A única coisa que me acalmava nesses momentos era ser atendido por um médico. Se não me ajudassem imediatamente, era capaz de avançar no enfermeiro, gritando. Cheguei a ir ao hospital quatro vezes no mesmo dia. Nesse período, eu também era incapaz de entrar no mar ou em piscinas. O pior: quando tomava banho, tinha a sensação de que podia morrer afogado. Os médicos, desnorteados, me receitavam de calmantes a remédios para o coração. Com o diagnóstico de transtorno de pânico, comecei a me tratar com uma psiquiatra. Foram precisos dois anos de medicamentos e psicoterapia para que finalmente eu me sentisse curado."

Nelson Dorneles, 54 anos,
comerciante, de Porto Alegre

Noite de trovão, noite de agonia

Fernando Vivas


"Tenho um temor fora do comum de tempestades. Mais especificamente, de trovões. Nesses momentos, não consigo esboçar nenhum tipo de reação. Fico paralisada. Me falta energia até para pedir socorro. Noite chuvosa é sinônimo de insônia. Além de não pregar os olhos, tenho de me abrigar na cama dos meus pais. Eles já sabem que quando começa a chover precisam vir ao meu quarto me resgatar. Não consigo nem ir até lá. Há dois anos, passei por um verdadeiro pesadelo. Estava sozinha em casa estudando para uma prova quando começou um temporal. Congelada pelo pânico, não pude sair de casa para fazer o teste. Só quando a chuva passou consegui ir à aula. Cheguei atrasada e destruída. Lívida, eu suava em bicas. Além do susto, a incompreensão dos colegas piorava a minha situação. Tão aterrorizante quanto os raios é o medo de que as pessoas percebam o meu estado de pânico. Sempre temo ser chamada de infantil ou de descontrolada. Hoje faço análise e descobri que é possível superar a fobia, mas demora. O que estou aprendendo por enquanto é não me sentir tão desconfortável diante das pessoas."

Caroline Suffi, 25 anos,
universitária, de Salvador